sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Lições de Lulu Santos (e do Ricardo) para um sábado à noite, quando se encontra um certo alguém com lindos olhos azuis.




Eu começo a achar que deveria dar mais crédito ao que Lulu Santos canta. De fato, sábado à noite tudo pode mudar. Por mais que eu nunca tenha dado muita bola a isso, um par de belos olhos azuis me fez prestar mais atenção nessas palavras do “poeta pop”.
            Para mim era somente só mais um sábado. Um bom sábado de festa, permita-me registrar: levaria o meu pequeno Pedro a uma festa de criança, onde estaria acompanhado do meu irmão, curtiríamos muito. O Pedro brincaria até cansar, comendo um monte de cachorro-quente, batata frita, bebendo Coca-Cola e, ao chegar a casa, entregar-se-ia cansado ao sono enquanto eu me arrumaria para o segundo tempo de festa, que agora seria meu. Antes de sair, brincaria um pouco com ele, ouviria de sua vozinha algumas más-criações, pelo fato de não estar satisfeito de eu sair e deixá-lo em casa antes que ele dormisse. Mas aquela noite, ou aquele segundo tempo de festa já fora agendado com meu grande irmão João há algum tempo.  Seria a celebração da vitória dele. Ele tinha me convidado a participar daquilo. Eu que amo uma festa, não poderia deixar de estar lá. Uma formatura conforme não tinha visto há cinco anos, que coincidentemente também tinha sido de odontologia.
Engraçado, mas tudo saiu exatamente como eu imaginei que seria. 
Por que então esperar mais algo de um sábado à noite?
A noite já estava sendo perfeita, gostosa como imaginei que seria. De fato, o Lulu tinha razão... Mas eu não precisava esperar mais nada. Já estava bom. Estávamos eu, João, meu mestre Ricardo, os amigos Raul e Edinho. Pô, boa parte do time de rugby estava lá (faltava o Gabryel, pra irmandade estar completa), a música era boa (embora eu nem lembre muito do que tocou), muita cerveja e um garçom que não deixava meu copo ficar vazio. Era uma noite “insurpreendível”.
Foi exatamente nessa noite de sábado a prova de surpresas, que eu do alto do meu planejamento e dedução percebi, mesmo que depois tenha me dado conta disso, é que o Lulu sabe das coisas: Apesar de não ter evitado aqueles olhos, não pude resistir. Encontrei aqueles mesmos olhos depois de cinco anos, quando o tinha visto da última vez, numa ocasião bem parecida. Naquela, a celebração era de sua formatura, também de uma namorada minha na época, que se formara juntamente. 
Os olhos eram os mesmos, igualmente adornados pela sua bela e alva cútis, abrilhantadas pelo mesmo sorriso simpático, que me encantou cinco anos antes, o que nunca tinha dito por motivos éticos e morais. Mas aqueles lindos olhos azuis continuavam do mesmo jeito: faiscantes, vivos, atentos, encantadores. Nossa, nem eu mesmo tinha percebido o quanto eles mexiam comigo. Não imaginei que os veria de novo, nem mesmo que se os visse, provocariam tal tremer de pernas ou impactariam com força comparável a um tackle do Chabal. Mas eles me impactaram. 
Só tive chance de balbuciar com o Ricardón que já me encantava por aquele conjunto há, pelo menos cinco anos. No que me respondeu que só precisava dizer isso. Porque assim, dirimir-se-iam quaisquer dúvidas, vontades ou desejos. Seriam realizados ou não. Correspondidos ou não.
O fato é que diante daqueles olhos, estremeci. Tornei-me menino de novo, perdi toda minha autossuficiência, certeza plena do que sabia. Simplesmente, intimidei-me. Não por falta de vontade de fazê-lo, mas por achar que se fosse direto poderia parecer presunçoso ou machista demais, ou seja, era eu me atormentando com meu monte de conceitos de novo.          
Aproveitei o quanto pude a companhia dela, mesmo que fosse tão pouco tempo, ou por estar absorto em estar vendo-a de novo. Conversamos frivolidades, falamos sobre a vida como está. Descobri que abraçou outra carreira e eu fiquei preso no meu monte de vontades, perdido no que eu queria dizer ou fazer, mas que não dei vazão. Falamos de família, planos, objetivos, lembramos que a última vez que nos vimos foi em sua formatura, que coincidência...
Até que ela  se foi.
A noite continuou, mas não aconteceu nada mais de tão relevante, não para mim, não nada que tenha me causado tão boa impressão, tanto “acanhamento”, tanto que mexesse comigo quanto o aparecimento daqueles lindos olhos azuis... Aqueles olhos que não pude resistir foram a coisa boa de um sábado a noite, que preferi deixar subentendido como uma simples idéia na cabeça, que sequer procurei ter alguma menção de que acontecesse.
Talvez a partir de agora, eu comece a seguir a lição da música do Lulu Santos, além de ouvir mais os conselhos do meu grande Mestre Ricardo. Enquanto isso, vou lembrando e muito puto, por não ter pelo menos tentado dirimir as minhas dúvidas... Ou serão necessários mais cinco anos para que se resolva?

domingo, 27 de novembro de 2011

Cadê Eu?


Navegando num mar de nostalgia, percebi que sinto falta da minha infância. Não da falta de responsabilidade com algo maior do que a escola, não do não ter nada pra fazer, simplesmente porque não há nada a fazer se não estudar, arrumar a cama, fazer algumas tarefas domésticas.
Sinto falta da pura inexperiência, da inocência, do “fazer merda” sem saber que estava fazendo, dos pique-escondes, das férias passadas de lugar em lugar: Uma semana na casa da avó, outra, na casa da tia e finalmente, Atafona. Talvez o lugar que guarde mais das minhas boas lembranças de infância.
Sinto falta da minha turma de Escola, não que eu quisesse que eles voltassem e fizéssemos o mesmo. Ser nostálgico não é querer que o tempo volte. É lembrar do que passou com saudade, sabendo que foi bom e te enriqueceu. Sabendo que mesmo que tudo aquilo vá passar, que todos foram viver suas vidas e nem sabem da importância que têm pra você, foram das pessoas mais significantes no longo e árduo processo da construção do que se é.
Verdade! Sinto falta da minha infância.
Sinto falta de ter meu pai como herói, de achar que ele jamais falharia, de pensar que ele era o cara mais bacana do mundo, o mais bonito e que ele nunca mentia. Falta de querer ser igual a ele, mas não seguir sua profissão (Nunca seria açougueiro, embora meu pai seja o melhor que eu conheço).
Sinto falta de tomar uns cascudos da minha mãe e jamais levantar a voz pra ela, de pedir um abraço e saber que teria, mesmo que eu tivesse feito a maior cagada do mundo, de dizer que ela era a mais bonita, de brigar porque me chamavam de FDP. Sinto mesmo falta...
Tenho saudades de tudo que era bom e puro. De tocar a campainha e sair correndo, de matar a primeira aula da sexta-feira, porque era a de Matemática e a professora era chata pra cacete.
Eu sinto falta da minha vida num todo, daquilo que deixei ir porque não tive habilidade suficiente pra manter. Não tempo, porque esse passa, mas permitir que o que é mais valioso pra mim, fazer parte da minha vida, pela eternidade que durar, mas que a sua perenidade jamais fosse perdida, à medida que eu mesmo fosse me afastando daquilo que tudo sempre desejei ser.
Por fim, tenho saudade de mim. Alguém me ajuda a encontrar?

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

ORAÇÃO DOS BOMBEIROS

DEUS... Você sabe o que há de acontecer este dia.
As chamadas que irei responder e as situações nunca vividas que viverei.
Por isso suplico, me dê vontade para atender quanto os anjos e guie minhas mãos em meus procedimentos.
Para todos os que pedem por socorro, eu possa ir resgatá-los e para os que eu não consiga, que minha oração chegue a tempo.
Ajuda-me a salvar quantos eu consiga e que seja minha a última face que vejam os que não puderem ser salvos, pois irão saber que não partirem sós e que vejam em meus olhos a manifestação de seu amor pela humanidade.
Amém!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Um domingo qualquer


Era um dia frio, sem chuva.  Seria um dia chato, não fosse o Maracanã lotado e a expectativa de um título. Ele não era fanático, sequer tinha visto o estádio lotado na vida, até então.  Tinha 13 anos e torcia, timidamente, para o Palmeiras, apesar de morar no RJ.
Naquele domingo seu pai o levou na final.  De bandeira, camisa e ingresso na mão, chegou assustado com a multidão. Entrou faltando 15 minutos pra começar e, quando olhou em volta, disse: “Pai, quantas pessoas tem aqui?!?”.
- Muitas, filho… uma nação inteira, disse o pai.
Aquela multidão explodiu em faixas, bandeiras e papel picado minutos depois.  O garotinho se encolheu com medo e sentou.  Com 1 minuto de jogo a torcida levantou e não deixou que o guri visse mais nada. Ele ouvia, sentia, mas não assistia.
Seu pai, rubro-negro fanático, não tinha muita esperança de que seu pivete palmeirense um dia se envolvesse com futebol. Jamais mostrou grande interesse, e só torcia porque tinha um amigo que era palmeiras.
O Flamengo saiu ganhando, mas não bastava. Tinha que ser com 2 gols de diferença, ou nada. Seu pai explicou que “faltava um”, e o garotinho não entendeu. Afinal… vitória não é vitória de qualquer jeito?
Sofreu um gol, e ele não tirou sarro do pai como sempre fazia. Ficou triste, como que contagiado pela multidão. O outro lado, 40% do estádio apenas, fazia barulho, e ele ouvia o silencio da nação a sua volta. Segundo ele, o silencio mais dolorido que já escutou na vida.
O Flamengo fez o segundo, e o garotinho, se envolvendo com o jogo, vibrou. Pulou no colo do seu pai e o abraçou como se fosse um legítimo urubuzinho.
Não era, ainda.
A torcida começou a cantar o hino, que ele sabia de cor de tanto ouvir o pai cantar.  Pela primeira vez, cantou num estádio, e fez parte da nação. A angustia de milhares não passou em branco. Em mais alguns minutos o garotinho suava e já rezava de mãos grudadas ao peito.
O Flamengo virou, mas não bastava.
40 minutos do segundo tempo. Mesmo com 2×1 no Placar, a nação ouvia gozações do outro lado. Ele não entendia, e fez o pai explicar, mesmo num momento dramático do jogo.
Atencioso, o pai sentou e contou pro garoto que o Flamengo precisava ter 2 gols de vantagem, porque a vitória por um gol empataria a soma de 2 jogos, e o empate era do rival. Ele não entendeu bem, mas simplificou em sua cabeça: “Mais um e ganharemos”.
Opa… “ganharemos”?  Ele não era palmeirense?
E então, aos 43 minutos, onde alguns já se mexiam na direção da saída, uma falta do meio da rua.  Seu pai vibrou e ele questionou: “O que foi? Foi pênalti!? “
- Quase isso, filho!! Dali pro Pet é pênalti!!, profetizou o pai, ignorando a distancia da falta.
A cobrança… o silencio eterno de 1 segundo e a explosão.  Gol do  Flamengo! Petkovic! E seu pai o abraça como nunca abraçou em toda sua vida. Pula, joga o garoto pra cima, beija, chora…
O garotinho, numa mistura de susto com euforia, olha em volta e, de braços abertos, comemora em silencio um gol que não era dele.  Sem razão, ele chora. E chorando, abraça o pai que, preocupado, rompe a alegria e pergunta: O que foi? O que foi? Se machucou?
- Não…  Eu to feliz, pai!
Sem mais palavras, o pai sentou e abraçado ao garotinho deu um abraço de tricampeão. O jogo acabou, e os dois continuaram abraçados.
A festa rolando, os dois assistindo a tudo aquilo emocionados, o garotinho absolutamente embasbacado com a cena, já que nunca havia visitado um estádio lotado, muito menos uma decisão. O pai olhava pro campo e pro filho, porque sabia que, talvez, aquele fosse seu único momento na vida onde teria a imagem de seu garoto comemorando um titulo do time dele.
E chorava, sem vergonha nenhuma de quem estivesse em volta.
O menino foi embora pensativo, eufórico. Em casa, contou pra mãe com uma empolgação incomum sobre tudo que viveu naquela tarde. E não falava do jogo, apenas da torcida.  Iludido por uma frase, contou pra mãe:
- Aí, no finalzinho, teve um pênalti! E o Flamengo fez o gol…
- Não filho… não foi pênalti! Foi de falta.
- Mas você disse que foi pênalti…
- Era modo de falar…. hahahahahah
- Então, mãe…  aí, o cara fez o gol e a gente foi campeão!!!
Pronto. Aquele “a gente” fez o pai parar de colocar cerveja no copo, virar a cabeça lentamente e perguntar, com medo da resposta:
- A gente, filho?
(silencio…)
- É pai! O Mengão!!!!!
Emocionado, o pai abraçou o garoto e não falou nada. Ali, seu maior sonho virava realidade. A mãe entendeu, deixou os dois na cozinha e saiu de fininho, enquanto o pai começava a contar de uma outra final que viveu em mil novecentos e bolinha, com toda a atenção do novo rubro-negro.
Hoje o garoto  tem 21, completados há alguns dias.
Quando seu pai perguntou o que ele queria de presente este ano, a resposta foi essa:
- Dois ingressos, uma bandeira, a camisa nova e ver você chorando igual aquele dia.
E há quem diga que “futebol é bobagem”…




Autor: Rica Perrone



quarta-feira, 25 de maio de 2011

G.R.E.S. Paixão


Havia naquela comunidade, muitas mulheres bonitas, cheias de ginga, alegres. Mas nenhuma se comparava a Jéssica. Ela era a própria personificação da beleza, não só pelo sorriso branco, que fazia um belo contraste com o negro de sua cor... era bonita por inteiro, belos cabelos, uma boca voluptuosa, cinturas que pareciam ter vida própria. Não existia um homem sequer que não observasse quando ela passava, aliás, nem precisava passar. As outras passistas não cansavam de invejá-la. Principalmente Dolores, de quem ganhara o posto de Princesa do Samba, com seus comentários maldosos. Mas Jéssica nem se importava, não dava bola para qualquer dos comentários, fosse o dos homens ou da legião de invejosas, igualmente grande. Só tinha olhos pra Chico Valadão, um cara sem graça, meio tampinha, magrelo, com jeitão de malandro, mas que se gabava do vozeirão que tinha. Aliás, não devia em nada ao Louis Armstrong. Quando dava o grito de guerra da escola na Sapucaí, Toda a avenida se arrepiava.
Chico era um cara vaidoso, só usava perfume importado, calça alinhada, camisa bem passada, chapéu panamá, nem de longe se dizia que trabalhava no Ceasa todo dia, onde começava sua labuta às quatro da manhã... E foi a ele que Jéssica devotou seu amor, carinho, cuidado e fogo.
            - O que essa negona faz com esse mané? É um desperdício!
Essa era a frase que mais se ouvia.
Mas desde que Chico chegou para a comunidade, Jéssica ficou encantada pela sua voz, pela forma como cantava, mas segundo ela, principalmente pela forma que ele pronunciava seu nome. Aquilo era amor de fato, ou uma paixão avassaladora? Segundo Chico, era Jéssica a única mulher por quem tinha se apaixonado, mesmo depois de seus sete casamentos e nove filhos.
            A verdade é que o chamego dos dois chegava a enojar de tão meloso. Era beijinho, carinho, afago, sussurros suspiros e até gritos, que muitas vezes eram ouvidos na área toda que circundava o barraco de Jéssica, onde Valadão se instalou depois que a deusa o declarou seu homem. Aliás, era o rei daquela rainha negra... A única paixão comparável a que tinha por ele era o samba. E como sambava a nega... Tinha um orgulho grande por isso. Dizia que jamais deixaria o samba.
            - Nem se o meu nego pedir, faço isso. Minha vida é sambar!
Afinal aquele sorriso nunca tinha sido tão brilhante, tão alegre, tão vivo, tão cheio de malícia, desde que encontrara seu neguinho. Contava todo dia, pra todo mundo, suas brincadeiras, como aquele homem a fazia feliz.           
Ele não deixava de contar vantagem, de falar na comida bem feita, dos cafés servidos na cama, que jamais deixaram de ser servidos ao longo daqueles seis meses desde que assumiram seu caso, pelos botequins onde passava. Como todo bom homem do samba, Chico, apesar de apaixonado por Jéssica, nunca dispensava uma “loura”. Essas, segundo ele, eram espécies de tônicos.
De fato, era uma história bonita. De deixar Romeu e Julieta invejosos.
Mas um dia o sorriso da negona amarelou. Encontrara Chico, bêbado, nos braços de sua maior rival: Dolores. Que foi algo mais doloroso pelo fato de ter sido em sua cama.
- Nego filho da puta, tu podia fazer tudo, pegar quem quisesse, mas não essa vagabunda. Como é que tu fez isso?
Chico ainda tentou se explicar, sem sucesso. Jéssica chorou. Mas nem por isso deixou de partir pra cima dos dois de porrada. Foi vassoura, lustre, o São Jorge que ficava na cabeceira da cama.
 Foi expulso da casa de Jéssica, do jeito que estava: bêbado feito um gambá, e só vestindo a samba-canção que tinha ganhado de presente no dia dos namorados.
Apesar dos malandros terem ficado alvoroçados com o fato de ter visto aqueles dois monumentos de ébano se engalfinhando, ficando quase peladas, outros já se candidatavam para consolar a pobre Jéssica. Afinal o terreno estava livre. O neguinho folgado tinha sido banido da cama e da vida daquela gostosura...
Os dias passavam e o sorriso de Jéssica não se fazia mais perceber. A postura, outrora altiva, deu lugar a uma mulher comum; o gingado que fazia o maior puritano pecar, já não participava mais dos ensaios da escola. Aquele tinha sido um golpe de que não pôde se recuperar. Seus dias agora eram do Saara, onde trabalhava, para casa, durante a semana. Nos finais de semana, ao invés do pagode, agora Jéssica se dedicava somente a arrumação do barraco. Rotina que mudou, quando reencontrou Raquel, sua irmã mais velha que, sabendo do ocorrido resolveu visitá-la e aconselhá-la.
- Jéssica, essa vida que você leva só te traz tristeza, dor, rancor. Jesus te fez pra poder viver o melhor. O Capeta tá brincando com você. Vou trazer aqui o missionário pra fazer uma oração forte!
Raquel tinha se convertido há mais ou menos um ano. Apesar de ser uma mulher quase tão bonita quanto sua irmã, resolveu abdicar em favor de Jesus e da Missão, como ela dizia. Desde então só andava com longos vestidos brancos, de coque na cabeça e Bíblia na mão.
Apesar de resistir à evangelização imposta por sua irmã, Jéssica resolveu aceitar a oferta e deixou que o Missionário Jedaías fosse até sua casa.
No domingo havia arrumado sua casa, como de costume e esperou até as três da tarde. Hora que Raquel chegou, acompanhada do missionário e mais uns quinze “irmãos” para fazerem uma oração pela pobrezinha, que já minguava, por conta daquele desgraçado Chico Valadão, então vivendo com Dolores, que não cansava de tripudiar de Jéssica.
- Perdeu o posto de princesa e o homem pra mim, Jessiquinha...
Não esperava mais por nada na vida que vivera, então, após muita oração, muita gritaria e um sem número de “aleluias” e “glórias a Deus”, Jéssica decidiu que abandonaria a vida mundana e se entregaria a Jesus. Queimou seus shortinhos e seus tops, Quebrou sua coleção de CD’s e DVD’s do Zeca Pagodinho e outros sambas e pagodes que adorava. Passou a se vestir feito um “fantasminha”, porque agora era uma mulher de Deus e aquelas coisas não faziam mais parte de sua vida. Abandonou o emprego na loja de biquínis que trabalhava no Saara e passou a trabalhar numa livraria evangélica.
Todos os que antes curtiam bebiam, e sambavam junto com ela se afastaram porque passaram a ser alvo de sua pregação.
Já não se escutava mais o samba vindo do barraco daquela que um dia foi a negra mais formosa daqueles cantos. No lugar disso, só hinos religiosos, “aleluias” e “glórias a Deus”. Até em línguas estranhas ela começou a falar.
- Agora sou do Senhor, batizada nas águas e no Espírito Santo. Não se cansava de dizer isso.
No fundo, Jéssica não se encontrava muito naquele novo “modus vivendi”, mas foi o grande consolo que achou em sua vida depois que foi traída por Chico Valadão. Trancava-se em seu quarto e colocava os CDs da Cassiane no volume mais alto. Toda vez em que a bateria começava a tocar e o nego soltava a voz. O que era seu amor, virou seu sofrimento. O samba a fazia se fechar.
            O povo da comunidade sentia saudade da grande Jéssica, o ensaio também não era mais o mesmo. Nem a voz de Chico tinha mais o mesmo timbre ou força. Nem mesmo Dolores tinha tanta graça mais, já que a sua grande rival estava fora de combate. O samba perdera Jéssica para a Igreja Pentecostal da Revivificação. O missionário Jedaías, quando visitava Jéssica, passava com um ar soberbo, de quem tirou a grande princesa do samba da vida mundana e transformara numa fiel...
            Jéssica travou uma luta interna durante uns cinco meses. Fevereiro estava chegando, como ela se comportaria com a chegada do Carnaval. Quando este chegou, foi para um retiro com os “irmãos” para Cachoeira de Macacu. Passou quatro dias “como se estivesse no céu”, segundo ela mesma disse. Voltou à sua comunidade na quarta feira de cinzas. Passou pela quadra, onde assistiam a apuração. Sentiu um calafrio. A cada nota dez que ouvia, junto com os gritos da comunidade, a negona, tomava conta dela de novo. O calor subia, ao coração batia ao ritmo da bateria da escola. Começou a revirar seu guarda roupa e ao mesmo tempo se achava uma grande pecadora, por aquela vontade tomar conta dela, até que ouviu que estava no último quesito da apuração. Foi correndo para quadra, mesmo com aquele vestido branco que escondia seu belo corpo... Na última nota, aquele “fantasma” chega na quadra, o que causou um espanto geral. Nem olharam para a TV que estava no bar da escola. Somente Jéssica prestava atenção. Que deu um grito:
            - É Campeã!!!!!!!! E a sua princesa voltou!
            Ninguém mais queria saber do resultado, todos correram pra abraçá-la e comemorar o que tinha sido a grande vitória daquele Carnaval: A princesa de ébano daquela escola estava de volta! Isto é melhor do que qualquer título na Sapucaí!

Autor: Glaucio Merlin

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Sobre "encontros" e crianças.

          Só mais uma sexta-feira. Sexta-feira 13,diga-se de passagem, mas era uma como tantas outras na vida de Ricardo, um funcionário público, carioca radicado em Campos; um cara não muito bonito, mas com um charme peculiar e muita confiança. Apesar de não muita idade, tinha pouco mais de trinta, já era um expert em relacionamentos complicados. Num deses,  Débora, uma loira gostosa, dona de belas pernas, olhar cheio de malícia, interiorana, deslumbrada, que Ricardo conhecera numa de suas fases  putão, e que acabara se apaixonando, quando assumiu seu romance e engravidara de Lucas, que era dono do seu mais profundo amor.
    Os encontros com Lucas, sempre eram festa, mesmo que fosse numa loja de brinquedos a caminho do supermercado. Principalmente em uma sexta feira (13), de uma semana cheia de chateações, por causa de seu Flamengo, que fora eliminado e de um acidente que sua mãe, dona Flora, sofrera após cair da escada.
    Aquela era enfim, uma sexta feira de redenção. Queria deixar de lado o que já tinha acontecido, para se dedicar ao seu pequeno. Iriam se esbaldar... Aliás era tudo o que faziam dentro da loja. Lucas em "sua" casinha, saracoteando, como uma bolinha de borracha, arrancando sorrisos do pai. sempre acompanhados de pedidos para que fossem embora... Como se já previsse que algo estava por acontecer.
Quando enfim, Lucas "concordara" em sair da casinha de brinquedo, acontece algo, comum em uma cidade de interior, mas não esperado...
Ricardo viu aquela que foi a que ele queria ter "realizado a ideia” do Lucas, com quem durante dois anos, aproximadamente viveu o sonho de ser marido, ter uma vida em comum, filhos, cinema, parque, tudo aquilo que todo homem sonha: Marta, aquela loura de olhos verdes profundos, rosto plácido, que esconde em si toda a fúria de uma intensa amante, médica bem sucedida, mimadinha. Alguém que Ricardo já imaginava ter esquecido, como tinha dito tantas vezes pra vários amigos, já tinha vivido outras histórias, conhecido outras mulheres, tão ou mais belas quanto ela, enfim, a vida tinha caminhado.
Marta já estava em seu segundo casamento – o que era sabido por ele, por conta de tantas pessoas conhecidas em comum – Ricardo, ainda vivia num período conturbado com Débora, por conta de sua recente gravidez, após mais uma tentativa de se realinharem.
Ambos se viram, depois de tantos anos. Ele e seu filho, ela com seu marido. Cada um gozando de momentos que o outro desejava. Ela, ser mãe. Ele, marido. Entretanto, apenas se cruzaram e trocaram olhares de soslaio, num momento que durara não mais que cinco segundos. Mas que guardava em si, vontades de muitos anos.
Para Marta, era apenas mais um passeio, como tantos outros e bem menos expressivo do que um jantar num restaurante japonês, ou uma ida ao cinema, coisa que adora. Enfim a semana tinha sido cheia de pacientes, TPM atordoando, também era rubro-negra enjoada, e tinha um motivo em comum com Ricardo para estar chateada naquela semana. Afinal, como o Flamengo poderia ter sido eliminado pelo... Ceará? Ora, havia muitas coisas passando pela cabeça de Marta, mas aquele não era um momento de pensar nessas coisas, afinal, só queria se distrair. Para isso, nada mais do que chamar Jorge, seu marido, para dar uma volta no shopping. Uma loja de brinquedos não seria o lugar apropriado para um passeio com o marido. A não ser  pelo fato de ser apaixonada por crianças e não poder tê-los.
Ela só não poderia contar com uma brincadeira dessas do destino...
Naqueles infinitos segundos, em que os olhos mal se cruzaram passaram juras de amor, viagens feitas a sós, planos para o casamento, que nunca chegou a acontecer, por conta das infinitas brigas. Lembraram-se do dia em que ela o conheceu numa festa a fantasia, quando ele cursava o último ano da graduação, e estava com o braço quebrado por conta de um carrinho mal dado numa pelada; do dia em que se declarou a ele, dentro do teatro e ele nem respondeu; do anel de formatura com que o havia presenteado; da festa surpresa de aniversário que ela havia preparado junto com dona Flora.    Passou por suas cabeças toda voracidade e desejo com que se tiveram. As brigas de cada um com a família do outro. Um misto de saudade e raiva tomaram os dois. Viram-se, mas procuraram não se olhar. Afinal, aquilo já era passado.
Ricardo, vendo quantos sonhos perdidos, estavam naquele rosto branco, naqueles cabelos louros e naquela profundeza verde de seus olhos. Quanto bem e quanto mal aquele rosto angelical já o tinha feito, a depressão, a tristeza pelo fim.
 Enquanto Marta olhava aquela pequena criança, como se fosse algo que sonhou junto com ele, como se não pudesse acreditar que aquele lindo menino fosse fruto de um outro amor.
Ambos queriam mudar sua realidade, no infinito espaço de quase cinco segundos.
Ricardo saiu com Lucas, que estava completamente alheio àquela cena e seguiu para o supermercado, não sem antes parar em frente a uma vitrine que tinha uma manequim vestida com o uniforme do Flamengo, e ouvir de seu pequeno, o grito: Menguuu...
Marta permaneceu impassível, meio atordoada, como se tivesse tomado um chute daqueles do Anderson Silva, quando Jorge, sem sequer imaginar o que havia acabado de se passar perguntou o que havia acontecido. No que Marta o respondeu:
 - Nada, eu achei ter visto alguém que conhecesse...

Autor: Glaucio Merlin

Eu te amo não diz tudo.


O cara diz que te ama, então tá! 
Ele te ama.
Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.
Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, 
as três palavrinhas mágicas. 
Mas ouvir que é amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de quilômetros.

A demonstração de amor requer mais do que beijos,
sexo e palavras. Sentir-se amado, é sentir que a pessoa
tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade,
que se preocupa quando as coisas não estão dando certo,
que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e
que dá uma sacudida em você quando for preciso.

Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que
você contou há dois anos, é vê-la tentar reconciliar você com
o seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste
e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo
tempestade em copo d'água.

Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro
e que não transformam a mágoa em munição na hora
da discussão...

Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente inteiro.
Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada,
aquele que sabe que tudo pode ser dito e compreendido.

Sente-se amado quem se sente seguro para ser
exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação,
pois personagem nenhum se sustenta muito tempo.

Sente-se amado quem não ofega, mas suspira;
quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda,
mas escuta. Agora, sente-se e escute: 
Eu te amo! Não diz tudo!

"Me ame quando eu menos merecer,
que é quando eu mais preciso."


Autor: (Arnaldo Jabor)