quinta-feira, 19 de maio de 2011

Sobre "encontros" e crianças.

          Só mais uma sexta-feira. Sexta-feira 13,diga-se de passagem, mas era uma como tantas outras na vida de Ricardo, um funcionário público, carioca radicado em Campos; um cara não muito bonito, mas com um charme peculiar e muita confiança. Apesar de não muita idade, tinha pouco mais de trinta, já era um expert em relacionamentos complicados. Num deses,  Débora, uma loira gostosa, dona de belas pernas, olhar cheio de malícia, interiorana, deslumbrada, que Ricardo conhecera numa de suas fases  putão, e que acabara se apaixonando, quando assumiu seu romance e engravidara de Lucas, que era dono do seu mais profundo amor.
    Os encontros com Lucas, sempre eram festa, mesmo que fosse numa loja de brinquedos a caminho do supermercado. Principalmente em uma sexta feira (13), de uma semana cheia de chateações, por causa de seu Flamengo, que fora eliminado e de um acidente que sua mãe, dona Flora, sofrera após cair da escada.
    Aquela era enfim, uma sexta feira de redenção. Queria deixar de lado o que já tinha acontecido, para se dedicar ao seu pequeno. Iriam se esbaldar... Aliás era tudo o que faziam dentro da loja. Lucas em "sua" casinha, saracoteando, como uma bolinha de borracha, arrancando sorrisos do pai. sempre acompanhados de pedidos para que fossem embora... Como se já previsse que algo estava por acontecer.
Quando enfim, Lucas "concordara" em sair da casinha de brinquedo, acontece algo, comum em uma cidade de interior, mas não esperado...
Ricardo viu aquela que foi a que ele queria ter "realizado a ideia” do Lucas, com quem durante dois anos, aproximadamente viveu o sonho de ser marido, ter uma vida em comum, filhos, cinema, parque, tudo aquilo que todo homem sonha: Marta, aquela loura de olhos verdes profundos, rosto plácido, que esconde em si toda a fúria de uma intensa amante, médica bem sucedida, mimadinha. Alguém que Ricardo já imaginava ter esquecido, como tinha dito tantas vezes pra vários amigos, já tinha vivido outras histórias, conhecido outras mulheres, tão ou mais belas quanto ela, enfim, a vida tinha caminhado.
Marta já estava em seu segundo casamento – o que era sabido por ele, por conta de tantas pessoas conhecidas em comum – Ricardo, ainda vivia num período conturbado com Débora, por conta de sua recente gravidez, após mais uma tentativa de se realinharem.
Ambos se viram, depois de tantos anos. Ele e seu filho, ela com seu marido. Cada um gozando de momentos que o outro desejava. Ela, ser mãe. Ele, marido. Entretanto, apenas se cruzaram e trocaram olhares de soslaio, num momento que durara não mais que cinco segundos. Mas que guardava em si, vontades de muitos anos.
Para Marta, era apenas mais um passeio, como tantos outros e bem menos expressivo do que um jantar num restaurante japonês, ou uma ida ao cinema, coisa que adora. Enfim a semana tinha sido cheia de pacientes, TPM atordoando, também era rubro-negra enjoada, e tinha um motivo em comum com Ricardo para estar chateada naquela semana. Afinal, como o Flamengo poderia ter sido eliminado pelo... Ceará? Ora, havia muitas coisas passando pela cabeça de Marta, mas aquele não era um momento de pensar nessas coisas, afinal, só queria se distrair. Para isso, nada mais do que chamar Jorge, seu marido, para dar uma volta no shopping. Uma loja de brinquedos não seria o lugar apropriado para um passeio com o marido. A não ser  pelo fato de ser apaixonada por crianças e não poder tê-los.
Ela só não poderia contar com uma brincadeira dessas do destino...
Naqueles infinitos segundos, em que os olhos mal se cruzaram passaram juras de amor, viagens feitas a sós, planos para o casamento, que nunca chegou a acontecer, por conta das infinitas brigas. Lembraram-se do dia em que ela o conheceu numa festa a fantasia, quando ele cursava o último ano da graduação, e estava com o braço quebrado por conta de um carrinho mal dado numa pelada; do dia em que se declarou a ele, dentro do teatro e ele nem respondeu; do anel de formatura com que o havia presenteado; da festa surpresa de aniversário que ela havia preparado junto com dona Flora.    Passou por suas cabeças toda voracidade e desejo com que se tiveram. As brigas de cada um com a família do outro. Um misto de saudade e raiva tomaram os dois. Viram-se, mas procuraram não se olhar. Afinal, aquilo já era passado.
Ricardo, vendo quantos sonhos perdidos, estavam naquele rosto branco, naqueles cabelos louros e naquela profundeza verde de seus olhos. Quanto bem e quanto mal aquele rosto angelical já o tinha feito, a depressão, a tristeza pelo fim.
 Enquanto Marta olhava aquela pequena criança, como se fosse algo que sonhou junto com ele, como se não pudesse acreditar que aquele lindo menino fosse fruto de um outro amor.
Ambos queriam mudar sua realidade, no infinito espaço de quase cinco segundos.
Ricardo saiu com Lucas, que estava completamente alheio àquela cena e seguiu para o supermercado, não sem antes parar em frente a uma vitrine que tinha uma manequim vestida com o uniforme do Flamengo, e ouvir de seu pequeno, o grito: Menguuu...
Marta permaneceu impassível, meio atordoada, como se tivesse tomado um chute daqueles do Anderson Silva, quando Jorge, sem sequer imaginar o que havia acabado de se passar perguntou o que havia acontecido. No que Marta o respondeu:
 - Nada, eu achei ter visto alguém que conhecesse...

Autor: Glaucio Merlin

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